Como uma banda moldou a maneira que a minha empresa trabalha?
Em 2018, quando abrimos o Estúdio Marte, eu e meus sócios no questionávamos muito sobre como a nossa empresa deveria funcionar. Ainda hoje, constantemente nos questionamos. Depois de termos trabalhado com e para empresas muito bem sucedidas, tivemos a oportunidade de analisar diferentes tipos de operações. E aprendemos muito com todas elas. Entendemos como a SulAmérica conseguiu passar por um processo completo de transformação digital; como a Coca-Cola consegue manter um controle global da qualidade de seus produtos e comunicação; como a Oi, mesmo sob uma crise financeira, conseguiu continuar crescendo e inovando. De cada experiência, conseguimos extrair muitos aprendizados que constantemente incorporamos no nosso dia-a-dia.
Apesar do privilégio de termos visto na prática como funcionam empresas gigantescas, ainda tínhamos uma inquietude com relação à maneira que as empresas lidavam com as relações de trabalho. Em outras palavras, como que as empresas pensavam em formatos de trabalho adaptados à uma geração de profissionais que demanda por flexibilidade, harmonia entre a vida profissional e pessoal e projetos individuais. E isso nos incomodava, principalmente, por que somos exatamente esse perfil: jovens, apressados, confiantes, ambiciosos e extremamente questionadores. Por mais que, em boa parte das empresas, esse tema seja um ponto de ênfase, não conseguimos encontrar nenhuma solução pronta no mercado. Horário flexível, home-office, processos gamificados e muitas outras iniciativas eram constantes, mas nenhuma delas resolvia nossa inquietude.
Até que um dia, em um show da banda de jazz Snarky Puppy, me veio um questionamento. Como que essa banda, com quase vinte dos melhores músicos do mundo, consegue seguir unida? Todos esses músicos certamente tinham habilidades e pretensões de seguirem uma carreira solo e de tocar com outras pessoas. E o perfil de cada um deles, lembrava bastante o da minha geração: jovens, talentosos, confiantes, ambiciosos e extremamente questionadores. Mesmo em um universo completamente diferente, eu senti que talvez essa banda poderia ter a resposta que eu tanto buscava.
E eu fiquei obcecado. Comecei a assistir diversos shows deles e a qualidade da música continuava impecável. Mas sabe o mais me chamou atenção? Qual era a coisa que mudava de show para show? Os músicos! Sim, a qualidade do som era incrível, mas o lineup da banda nunca era o mesmo. Reparei que em um show, a banda tinha três guitarristas, um baterista e dois trompetistas. Já no dia seguinte, na mesma turnê, poderiam ter dois bateristas, apenas um guitarrista e um naipe de sopros bem diferente. Esse aí foi o meu primeiro insight: a banda consegue manter sua identidade e uma qualidade musical impressionante mesmo com diferentes organizações de músicos.
O que o baixista e líder da banda, o americano Michael League, me fez perceber é que uma maneira de fazer com que tantos músicos talentosos queiram tocar juntos é dando liberdade para todos eles. Se um dos trompetistas quer gravar com outro músico, ótimo para ele. Se o guitarrista quer tirar um ano sabático para estudar, incrível. Se o saxofonista não quer fazer turnê fora dos Estados Unidos para ficar perto da família, sem problemas também. O que esse brilhante baixista percebeu é que todos esses músicos, até para continuarem sendo os melhores do mundo, precisavam de tempo e liberdade para explorar suas próprias individualidades. Então, mais do que ‘contratar’ toda a banda, ele criou uma rede. Uma rede composta pelos mais talentosos e inventivos músicos do mundo. Eram quase 50 pessoas que adoravam o Snarky Puppy, mas que tinham projetos pessoais e necessidades diferentes entre si. Dessa forma, a banda ia se moldando conforme a disponibilidade e interesse dos músicos em determinados momentos de suas carreiras. Antes de cada turnê, League fazia uma pergunta simples à sua rede: “quem gostaria e poderia fazer parte uma turnê de dois meses na América Latina?”, por exemplo. E os músicos iam, conforme seu momento de vida, aceitando ou declinando o convite.
Reparem que inteligente: o baixista encontrou uma maneira de sempre ter uma banda interessada, comprometida, renovada e talentosíssima por todas as turnês. E ninguém abriu mão da individualidade para tocar, pelo contrário, os que optaram por não entrar em turnê continuaram se capacitando e seguindo outros objetivos de vida. Ainda impressionado com a solução, eu me deparei com uma segunda pergunta: como é que todos os músicos conseguem estar na mesma página com tantas mudanças de lineup? Como é que um baterista consegue saber o que tocar se, a qualquer momento, pode surgir um outro baterista para tocar com ele? Como ele é capaz de lidar com essa imprevisibilidade?
Bom, a solução do Michael League continuou sendo incrível. Ele fez o seguinte: ao invés dos músicos aprenderem apenas a parte que eles deveriam tocar, todos deveriam aprender todos os microcomponentes da música. Ou seja, ele enviava um áudio (muitas vezes gravado apenas com um piano) das músicas que ele compunha para toda a rede, mas não especificava que parte deveria ser tocada por quem. Logo, para que os músicos conseguissem tocar, eles deveriam aprender tudo: tanto a melodia, as variações harmônicas etc. Dessa forma, independente do lineup do show, os músicos seriam capazes de executar qualquer parte da música. Se, em um determinado dia, a banda possuísse três guitarristas, dois deles poderiam fazer a ‘base’ e um deles o ‘solo’. Já se no outro show, tivesse apenas um guitarrista, ele poderia fazer a ‘base’ e possibilitar com que um trompetista ‘solassee’ no lugar dele. Fazendo com que todos os músicos aprendessem todos os pormenores da música, ele sempre tinha flexibilidade de reger a banda da forma que ele quisesse. Você se lembra da flexibilidade que a minha geração busca? Olha ela se manifestando duplamente nessa banda: na forma de trabalhar e na execução da tarefa.
E assim, em uma quinta-feira, no Circo Voador, eu encontrei um modelo de negócios extremamente moderno e adequado à minha geração. Mas será que isso se aplica à minha realidade? A realidade da minha empresa no mercado de inovação e design? Assim que eu tive esse insight, eu me juntei com meus sócios e contei cada detalhe desse estudo. A resposta deles veio em coro: “precisamos aplicar isso na Marte!”. Depois de muita discussão e pesquisa, resolvemos botar em prática. Assim como no Snarky Puppy, estabelecemos um núcleo. Aqueles dois ou três músicos que seriam parte imutáveis da banda. Depois disso, começamos a expandir nossa rede. Todos os jovens talentosos que estavam inconformados com as relações de trabalho foram sendo contactados. E nossa proposta era clara: queremos criar uma rede de designers talentosíssimos e proporcionar à eles projetos que se adequem ao seu perfil e momento de vida de cada um deles. O primeiro projeto que fizemos nesse modelo foi para a Rede D’Or. Fechamos um projeto de dois meses, de design estratégico, para a maior rede de hospitais do Brasil. Acionamos nossa própria rede e avisamos que precisávamos de dois designers de serviços e um especialista em usabilidade. Avisamos onde seria realizado o projeto e quanto estávamos dispostos à pagar por cada vaga. Transparência total.
Para nossa felicidade, a rede respondeu! Em pouquíssimos dias tínhamos um time fechado e composto por designers incríveis. Semanas depois, começamos um outro projeto, dessa vez em São Paulo, por três semanas e para o pessoal da Ciclic (Banco do Brasil). Fizemos a mesma coisa e, mais uma vez, a rede respondeu. Uma resposta que nos encheu de convicção foi a de um designer extremamente talentoso que nos disse que não poderia participar por querer tirar um período sabático. Isso era exatamente o que a gente queria. Que profissionais incríveis conseguissem ter a liberdade de espairecer, de se capacitar e de cuidar da saúde mental da maneira que quisessem e no momento que quisessem. A qualidade dos projetos tem sido incrível e a adesão do time cada vez mais nos enche de orgulho.
Ainda estamos engatinhando, mas sentimos que encontramos um modelo de trabalho que nos ajuda a atingir um pilar importantíssimo do nosso modelo de negócios: criar relações de trabalho harmoniosas. Um outro grande aprendizado para a gente, foi que a resposta para desafios de negócios não está apenas no nosso negócio. Ela pode surgir em iniciativas completamente diferentes entre si. Não sei como o Michael League, que morou no Brasil, se sentiria ao saber como o negócio dele impactou meu. Se o objetivo da minha empresa é criar relações modernas e harmoniosas de trabalho, não consigo pensar em inspiração melhor do que essa banda talentosíssima que não para de inovar e contagiar em cada apresentação.